Vacas com ECC baixo, não vacinadas para doenças reprodutivas e estressadas têm difi culdade para manter a prenhez.

Perda gestacional: é preciso medir para compreender

Ter alta eficiência reprodutiva é essencial para a rentabilidade das fazendas de cria. Para tanto, faz-se necessário aumentar a taxa de prenhez ao fi nal da estação de monta. Mais do que isso: é extremamente importante que as matrizes emprenhem logo no começo do período de cobertura ou inseminação, para obter boa safra de “bezerros do cedo”, que comprovadamente apresentam melhor desempenho, porque nascem em época favorável, estando menos sujeitos à morbidade e à mortalidade, além de desmamarem mais pesados. Várias são as estratégias para aumentar a efi ciência reprodutiva. A principal é a inseminação artifi cial em tempo fi xo (IATF), combinada ou não com a monta natural, ou usada mais de uma vez na estação de monta, a famosa ressincronização. A IATF é uma ferramenta crucial para os rebanhos brasileiros, que apresentam baixa taxa de ciclicidade, mesmo em fazendas bem manejadas e com boa nutrição. Avaliar as taxas de concepção, de prenhez fi nal e de desmame é uma prática rotineira nas fazendas., mas isso não basta. É preciso estar atento aos índices de perda gestacional, prática que poucos conseguem realizar com efi ciência. Esta métrica não deve ser dissociada das demais, pois representa o prejuízo de uma fêmea não parir um bezerro na fazenda, após todo um trabalho feito com a IATF ou mesmo com monta natural. As causas da perda gestacional em bovinos são mais estudadas em vacas leiteiras. Uma busca feita na base da Web of Science, compreendendo o período 1995-2022 e usando os termos “perda gestacional”, “perda embrionária” e “morte embrionária”, resultou em 1.119 publicações sobre gado leiteiro, e apenas 328 sobre bovinos de corte. Quando afunilamos essa busca para gado Nelore ou Bos Indicus, o número despencou ainda mais. Grandes variações Existem inúmeros fatores que sabidamente afetam a fertilidade de fêmeas de corte, porém seus efeitos em perda gestacional não são totalmente estabelecidos, reforçando a necessidade de fazendas, técnicos, indústria e academia direcionarem esforços para aumentar o registro de informação e o entendimento do que está causando o problema. Com o objetivo de estimular o registro de informação e análise de possíveis causas, a GlobalGen vet Science fez um estudo com 36 fazendas parceiras, detentoras de um banco de dados com 41.528 prenhezes, em diferentes categorias, e constatou uma grande variação entre fazendas no percentual de perda gestacional (veja tabela na pág. 63). A própria categoria animal parece ser determinante. Fêmeas precoces (novilhas e primíparas precoces) geralmente apresentam maior perda do que primíparas regulares e multíparas. Porém, note que a variação entre fazendas é alta, mostrando que existem propriedades com perda gestacional baixa em todas as categorias. A perda gestacional nesse banco de dados pode ser considerada relativamente menor do que em outros resultados, em determinadas categorias, mas é válido lembrar que são fazendas intensifi cadas, com adequado manejo nutricional e sanitário dos animais, e muitas com seleção genética para fertilidade. Um outro fator é o escore de condição corporal (ECC) e a sua mudanVacas com ECC baixo, não vacinadas para doenças reprodutivas e estressadas têm difi culdade para manter a prenhez.63 novembro 2023DBO Carlos Eduardo Cardoso Consentini é médico-veterinário pela FMVZ/USP, mestre pela ESALQ/ USP, doutor pela ESALQ e University of Wisconsin-Madison e consultor técnico da GlobalGen vet science. Alexandre Prata é médico-veterinário pela Universidade Estadual de Londrina, com mestrado e doutorado em Ciência Animal e Pastagens pela ESALQ/USP e gerente técnico da GlobalGen vet Science. ça, por exemplo, do momento do parto até a IATF ou início da estação de monta. Vacas com menor ECC ou que perdem mais condição corporal têm menor fertilidade e, geralmente, apresentam maior perda gestacional. Portanto, implementar estratégias nutricionais e de manejo para garantir um maior número de fêmeas parindo com ECC adequado e diminuindo também a perda de peso é crucial para a performance reprodutiva.Vale lembrar que a categoria mais prejudicada por uma baixa condição corporal é a das primíparas, principalmente as precoces, que necessitam de atenção especial. Alguns resultados recentes apontam que o ECC excessivo também não é interessante e pode estar relacionado com maior perda gestacional (mais estudos são necessários para confirmar essa associação). É necessário cuidar, ainda, da sanidade, a fim de evitar problemas infecciosos que, direta ou indiretamente, comprometam o trato reprodutivo, tanto das fêmeas quanto dos machos, assim como o embrião e o feto. Dentre as doenças infecciosas associadas à diminuição da performance reprodutiva, destacam-se as bacterianas (brucelose, leptospirose e campilobacteriose), as virais IBR (rinotraqueíte infecciosa bovina) e BVD (diarreia viral bovina), além daquelas causadas por protozoários (tricomoníase e neosporose).

Como se prevenir

A principal estratégia para minimizar os efeitos negativos da perda gestacional é a prevenção. Como? Promovendo um rígido controle de fatores de risco intrarrebanho. Alguns exemplos são: identificação e eliminação de animais positivos; adoção de procedimentos adequados no caso de entrada de animais oriundos de outros rebanhos; e implementação de uma das ferramentas mais importantes no controle sanitário, a vacinação. Três estudos mostraram efeito positivo dessa prática contra IBR, BVD e leptospirose em gado de corte. No primeiro, os pesquisadores demonstraram que a fertilidade de animais vacinados aumentou de 42,7% para 53,8%; no segundo, de 49,8% para 55,1%; e, no terceiro, de 44,7% para 58,2%. Outro estudo, realizado com novilhas, reporta uma redução de 45% de perda, no período de 30 a 120 dias de gestação em animais vacinados, comparativamente aos não imunizados (8,4% ante 15,4%). Dois aspectos que também merecem atenção são o manejo e o bem-estar animal. Animais mal manejados, seja no campo ou no curral, apresentam alterações fisiológicas como aumento do nível de cortisol – o hormônio do estresse, sintoma que está associado a uma série de prejuízos na função reprodutiva, que culminam em redução de desempenho. Um estudo feito por Reinaldo Cooke, da Universidade de Oregon (EUA), junto com outros pesquisadores, em 2017, envolvendo 953 vacas, mostrou que aquelas sob estresse apresentaram nível mais baixo de concepção (41% ante 47%), maior perda gestacional (9,9% x 5,9%), taxas mais baixas de parição (68,2% x 74,8%) e de desmame (63,9% x 69,4%), além de desmamarem bezerros mais leves (204 kg ante 210 kg).

Registro e análise de informações

Portanto, é necessário um investimento da fazenda na qualificação da mão de obra e na otimização do manejo dos animais, sempre buscando aumentar o bem-estar animal. Além desses cinco aspectos associados à perda gestacional (categoria animal, nutrição, escore corporal, sanidade e bem-estar), existem outros, como, por exemplo, o touro ou o sêmen utilizado, o status de ciclicidade, genética e fatores ligados aos programas de IATF. A mensagem final é que as perdas gestacionais afetam a produtividade e a rentabilidade dos criadores, com alta variação de uma propriedade para outra. Por isso, ressaltamos que não se pode deixar de levantar dados sobre este indicador, em diferentes momentos durante o ano. Por exemplo, é importante realizar um diagnóstico 30 dias após a IATF e confirmar a gestação pelo menos ao final da estação de monta e/ou no momento do desmame das vacas que passaram pela estação. Além disso, um adequado controle de parição é fundamental para entender como está se comportando a perda gestacional até o momento do parto. Somente com o registro de informações e a análise de diferentes variáveis, será possível a fazenda, juntamente com os seus consultores e prestadores de serviço, entenderem a situação do rebanho e definirem estratégias para melhorar sua performance.

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