Quando se trata de eficiência produtiva, a inseminação artificial em tempo fixo (IATF) é uma aliada valiosa do pecuarista brasileiro. Esta ferramenta possui como principal benefício o reestabelecimento da fertilidade de fêmeas em anestro. Além disso, seu emprego associado a estratégias reprodutivas permite que novilhas detentoras de maior potencial genético ingressem cada vez mais cedo nos programas reprodutivos e registrem melhor performance. Implementada logo no início da estação de monta, a IATF aumenta a produção dos tão cobiçados bezerros do cedo e, em consequência, reduz o intervalo de partos nas estações de monta subsequentes.
Mesmo com as conhecidas vantagens que esta biotécnica proporciona, atualmente, ainda é comum o uso de touros sem qualquer tipo de avaliação genética: os famosos “bois de boiada”. Realidade esta que vem mudando pouco a pouco graças ao lastro deixado pelo trabalho dos programas de melhoramento genético voltados também à precocidade sexual, uma característica avaliada há três décadas ou mais no Brasil. Porém, ainda hoje, as taxas de prenhez apresentam ampla variação nos resultados, por mais que a técnica seja empregada em novilhas com ótimas condições de manejo e nutrição.
“A questão é que tudo o que aprendemos com as novilhas de dois ou três anos não, obrigatoriamente, se aplica às novilhas precoces. Parece que quanto mais trabalhamos, menos as compreendemos. Estamos recomeçando, praticamente, do zero”, alertou Roberto Sartori, professor do Departamento de Zootecnia da ESALQ/USP, durante participação no GlobalSynch Group, em Goiânia (GO). O encontro reuniu mais de 120 técnicos em reprodução bovina que juntos realizaram quase um milhão de IATFs apenas em 2023, além de consultores, criadores e representantes de centrais de inseminação líderes de mercado.
Segundo o Prof. Sartori, enquanto em algumas fazendas as novilhas precoces ovulam, emprenham e entregam o bezerro, em outras, os resultados costumam ser controversos, com índices aquém dos esperados e com altas taxas de perda gestacional, sugerindo certa imaturidade sexual das matrizes.
Durante o evento promovido pela GlobalGen vet science, que comemora a marca de oito milhões de sincronizações em 2023, Sartori e a sua equipe de pesquisadores tentaram jogar uma luz sobre a questão, ao compartilhar dados preliminares de estudos recentes envolvendo quase seis mil novilhas precoces, com idade entre 12 e 14 meses. Este tema tem despertado extremo interesse de pecuaristas e técnicos, para que haja uma redução da idade ao primeiro parto, a fim de aumentar a vida produtiva das fêmeas nas fazendas e maximizar a lucratividade dos sistemas de produção.
A puberdade (definida como o momento em que as fêmeas adquirem capacidade para se reproduzirem) caracteriza-se pela primeira ovulação da vida de uma fêmea bovina, seguida de ciclicidade normal. Para alcançar a ovulação, pode-se lançar mão do uso de protocolos hormonais previamente aos de IATF. “Inclusive, precisamos rever o termo ‘indução de puberdade’ porque induzimos a ovulação, não necessariamente a puberdade. Mas, claro, que as chances de ela acontecer são maiores quando oferecidas condições favoráveis para isso”, explicou o pesquisador.
Vários estudos reportam que novilhas cíclicas no início da estação de monta, ou seja, que apresentam corpo lúteo (CL), obtêm maior prenhez por inseminação artificial (P/IA) quando comparadas às novilhas não cíclicas. Em um experimento realizado com novilhas de 14 meses de idade e 300 kg, em “D0” do protocolo de IATF, para avaliação de estratégias distintas de indução de ovulação, a resposta foi excelente, com aproximadamente 90% de presença de corpo lúteo, resultando em uma taxa de 54% de P/IA aos 30 dias e baixa perda gestacional. Já em outro estudo, conduzido em uma fazenda com intensa seleção genética para precocidade sexual, foram trabalhadas 600 novilhas de 13 meses de idade e 316 kg, expostas ou não a protocolos de ovulação. Como resultado, o impacto do protocolo de ovulação foi menos expressivo nos índices reprodutivos, provavelmente devido à seleção para precocidade sexual, mostrando o quanto essa característica é importante.
Recentemente, foi realizado uma pesquisa robusta objetivando avaliar a eficiência de dois protocolos de indução de ovulação bem estabelecidos e amplamente utilizados nas fazendas brasileiras: um com dispositivo intravaginal associando progesterona e cipionato de estradiol e outro somente com progesterona injetável. Para tal, foram utilizadas 2.300 novilhas de 12 meses, mantidas em sistema de resgate em confinamento após o desmame. Observou-se que a combinação entre progesterona e estradiol, mais uma vez, produziu resultados superiores. Este programa entregou 60% de presença de CL em início do protocolo de IATF, contra 16% com uso de progesterona apenas. A fertilidade também diferiu entre os tratamentos. As fêmeas que receberam implante e cipionato de estradiol tiveram quase 50% de P/IA aos 30 dias. Um fato revelador neste estudo foi que a associação de progesterona com estradiol foi mais eficiente para gerar prenhezes do cedo, ou seja, tudo aquilo que um produtor de gado de corte busca para ter um negócio rentável e otimizado.
GlobalSynch sugere estação curta e três oportunidades de concepção às novilhas pré-púberes
Desenvolvido pela University of Wisconsin-Madison (Estados Unidos), em parceria com a GlobaGen vet science, um novo modelo de ressincronização superprecoce foi sugerido durante a realização do GlobalSynch Group. Como vantagem, o novo protocolo chamado “Rebreed21” oferece uma estação de monta de apenas 42 dias com até três oportunidades de inseminação, sem interferência nos resultados da IATF anterior. “Doze dias após a primeira inseminação, todas as novilhas são ressincronizadas, sem o diagnóstico de gestação. Este é realizado somente no momento da segunda inseminação, 21 dias após a anterior, por meio de ultrassonografia color doppler, com a identificação das vazias, padrão que se repete ao longo da estação”, explicou Alexandre Prata, gerente técnico da GlobalGen.
No experimento de efetividade, conduzido no Grupo Roncador, sediado em Querência, no Mato Grosso, a taxa de prenhez final chegou a 74%, 10% a mais que na ressincronização tradicional. Dados comparativos, empíricos, também foram apresentados por Roberto Sartori, com base em duas estações distintas com até quatro oportunidades de inseminação em uma janela de 64 dias. Dentro desta janela, mais fêmeas se tornaram prenhes com uso do Rebreed21.
Segundo Sartori, comprovando-se a eficiência do Rebreed21, o passo seguinte é recomendar que se faça um manejo racional para que o gado sinta menos os efeitos do estresse, que é outro fator possivelmente associado à perda gestacional. Na ESALQ, por exemplo, as vacas são submetidas à IATF há quase uma década com perdas mínimas.
Perda gestacional exige análise profunda – Carlos Consentini, consultor técnico da GlobalGen, explicou, ainda durante o GlobalSynch Group, que os estudos sobre perda gestacional estão mais avançados na pecuária leiteira, sendo necessário um esforço mútuo de universidades, fazendas e técnicos, para melhor coleta de dados e compreensão em gado de corte. Como incentivo, compartilhou informações de um banco de dados exclusivo da GlobalGen vet science, com 36 fazendas parceiras e quase 42 mil prenhezes disponíveis para análises de possíveis causas associadas à perda gestacional. A maior incidência foi registrada justamente em novilhas e primíparas precoces, bem como nas fêmeas com baixo ECC (escore de condição corporal). Os dados também sugerem que o ECC excessivo, talvez, não seja interessante; mais estudos são necessários para confirmar essa hipótese, observou Consentini.
Também foi recomendado uma atenção especial ao controle sanitário, pelos riscos associados às doenças infecciosas do trato reprodutivo, que atingem direta ou indiretamente a fertilidade do rebanho, tanto nos machos quanto nas fêmeas. Destacam-se as de causa bacteriana (Brucelose, Leptospirose e Campilobacteriose), virais (IBR – Rinotraqueíte Infecciosa Bovina – e BVD (Diarreia Viral Bovina), além daquelas ocasionadas por protozoários (Tricomoníase e Neosporose). “Doenças infecciosas como estas respondem por até 50% das perdas gestacionais, com 75% destas, já na fase inicial da gestação”, comprovou o palestrante Marcelo Maronna Dias, consultor da GlobalGen no Sul do Brasil. O especialista ainda destacou outras medidas preventivas como o descarte de animais positivos e atenção especial àqueles oriundos de outras fazendas.
GlobalSynch é encerrado com chave de ouro
Sem sombra de dúvidas, a difusão de conhecimento técnico-científico foi o ponto alto em mais essa edição do GlobalSynch Group, grupo de estudos que contou com a ilustre participação do lendário Milo Wiltbank, desenvolvedor, junto com Richard Pursley, do programa Ovsynch, que literalmente revolucionou a indústria norte-americana do leite e ajudou a popularizar a IATF mundialmente. Brindou a todos com seu intelecto avançado e uma verdadeira imersão sobre o crescimento da IATF, desde a publicação de seu primeiro artigo científico, em 1995. Cinco anos mais tarde, a tecnologia estava amplamente difundida nos rebanhos leiteiros dos Estados Unidos, com ajustes finos possibilitando o resgate da fertilidade antes ofuscada pela obsessão por maior produtividade.
Junto com José Luiz Moraes Vasconcelos (professor Zequinha), Pietro Baruselli, Ciro Barros, Ed Hoffmann Madureira, Roberto Sartori e tantos outros pesquisadores renomados, ele e Richard foram a mola propulsora à customização dos protocolos direcionados à desafiadora realidade da produção brasileira. “Richard fez doutorado na University of Wisconsin-Madisno, ocasião em que o conheci e juntos começamos a amadurecer a ideia de criar um protocolo que possibilitasse a inseminação das vacas leiteiras em um único dia com sêmen de touros de alta fertilidade. Na verdade, meu pai, James N. Wiltbank, um brilhante cientista, tinha isso em mente, mas não as tecnologias necessárias. Foi em 1995 que visitei o Brasil pela primeira vez, ao participar de uma convenção para apresentar o Ovsynch, e junto com Zequinha, Pietro, Ciro Barros e outros pioneiros que por lá estavam começamos a implantar a IATF aqui no Brasil”, disse Wiltbank, ressaltando que, brevemente, os pecuaristas brasileiros conseguirão elevar a fertilidade das vacas para mais de 65%.
Também participaram do GlobalSynch Group, Rodrigo Alves, da ESALQ; Juliana Ferragute, da Genex, Manoel Sá Filho, da Alta Genetics; Leandro Cruppe, da Select Sires, Marco Lopes, da CresCere, além de representantes de empresas parcerias como a WTA – Soluções Para Reprodução Animal e a IMV Technology.